data-filename="retriever" style="width: 100%;">Há poucos dias, na cerimônia de posse da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, cinco parlamentares protestaram contra o Hino do Rio Grande do Sul. Entendem que há racismo no trecho "povo que não tem virtude acaba por ser escravo". O hino, cantado há quase um século com orgulho por grande parcela dos gaúchos, acabou virando polêmica. Seguindo a linha de raciocínio dos vereadores que protestaram, podem ser propostas alterações em outras letras de hinos.
Começo pelo Hino do Brasil. Tem problema já no início. A letra diz "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heroico o brado retumbante". Como se percebe, os surdos foram discriminados na primeira palavra do hino. O "brado retumbante" não tem como ser escutado por eles. Portanto, Joaquim Osório Duque Estrada, quando escreveu a letra em 1831, cometeu um ato discriminatório contra a comunidade surda.
O Hino à Bandeira também pode ser alterado. Tem uma estrofe que diz "recebe o afeto que se encerra, em nosso peito juvenil, querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil". O autor da letra, Olavo Bilac, discriminou os idosos. Exalta o peito juvenil e ignora o peito dos velhos.
O Hino de Porto Alegre igualmente apresenta problema. A letra, composta por Breno Outeiral, diz "quem viu teu sol poente, não esquece tal visão". Portanto, os cegos foram marginalizados na letra, pois impossibilitados de verem o lindo pôr do sol do Guaíba.
Tem outro caso passível de mudança e que envolve a rivalidade Grenal. Refere-se ao Hino do Sport Club Internacional. Nélson Silva, autor da composição, diz "colorado de ases celeiro, teus astros cintilam num céu sempre azul". Onde já se viu cantar a palavra "azul" na letra do Hino do Internacional? A torcida colorada está sofrendo coação.
Compus o Hino do Riograndense Futebol Clube. No refrão, digo que "na vitória ou na derrota, rio-grandense até morrer!". Um torcedor, certa feita, me disse que não concordava com a letra. Queria seguir sendo rio-grandense após a morte e que eu não acreditava em outras vidas. Fiquei confuso na hora. Não sabia o que dizer. Até que respondi que concordava com ele. Não iria polemizar em torno disso. A intenção da letra jamais foi querer questionar a existência ou não de outras vidas, bem como impedir alguém de seguir torcendo em outro plano.
Escrevi a coluna até aqui dentro da lógica dos cinco vereadores porto-alegrenses. Interpretando letras de hinos de maneira meio paranoica. Buscando pelo em ovo. Procurando problema onde não existe. Tentei mostrar que, quando se quer, podemos achar discriminação, preconceito, racismo ou qualquer outra coisa em textos normais e que foram escritos sem qualquer intenção de atacar ou prejudicar quem quer que seja. A interpretação vai da visão de mundo de cada um. Não vejo racismo onde os nobres vereadores porto-alegrenses enxergam, bem como não vejo problema nas letras dos hinos que citei acima. O racismo existe e precisa ser combatido. Precisamos, sem dúvida, da presença de mais negros na política, no judiciário, no executivo, no meio empresarial, na imprensa, na medicina e aí por diante.
Mas não é protestando contra um trecho de letra, que em momento algum é explícito quanto a preconceito racial, que iremos progredir nesse tema. Temos que focar em situações relevantes. E não em questiúnculas que mais acirram o problema do que propriamente auxiliam na construção de soluções e de avanços.